A importância do uso do capacete, a evolução dos modelos, os cuidados e qual o melhor para cada modalidade
O uso de um equipamento para proteger a cabeça se perde na história.
Todos já vimos gravuras de guerreiros antigos e seus capacetes. Bem
protegido no interior de nosso crânio está a nossa vital central de
comando, nosso precioso e frágil cérebro.
Pedalar sem capacete, nem que seja um descontraído passeio no parque
ou na ciclovia, é um ato de imprudência e no mínimo de falta de
consciência.
No Brasil, a obrigatoriedade ficou fora da reforma do Código de
Trânsito Brasileiro de 1998 e, mesmo nos países desenvolvidos, a
obrigatoriedade do uso é tímida. Na Austrália, o uso é obrigatório desde
1989 e, na Nova Zelândia desde 2003; nos Estados Unidos, a lei varia de
estado para estado. No Japão, por exemplo, o uso é obrigatório para
menores de 13 anos desde 2008. Um capacete é projetado para absorver o
impacto de alguém que caia de uma bicicleta e por isso jamais deve ser
usado em veículos motorizados como jet skys, quadriciclos, ciclomotores e
afins.
O clássico “Hairnet” feito com tiras de couro
HISTÓRIA
Os primeiros modelos datam do início do século 20 e eram feitos de
couro, mas, até os anos 70, capacetes eram rechaçados por ciclistas
profissionais, que alegavam desconforto, excesso de peso e perda
aerodinâmica como desculpas para não usarem a proteção.
Conhecidos como hairnet, pois se pareciam com uma rede de cabelos, os
primeiros modelos de capacetes consistiam em largas tiras feitas de
couro acolchoadas em seu interior com tecido ou outro material macio e
ofereciam pouca proteção.
Em 1975, a Bell apresentou o Biker, seu primeiro modelo para
ciclistas, feito em Estireno. As campanhas de prevenção de acidentes
ganharam força nos Estados Unidos, especialmente voltada para a
segurança infantil e os capacetes começaram a se popularizar.
Sempre na vanguarda, em 1983 a Bell lançou o primeiro capacete feito
de EPS (Poliestireno Expandido), o modelo Bell V1 Pro, bem similar ao
formato dos modelos atuais, com amplas aberturas de ventilação. Alguns,
como o Giro Prolight, tinham o EPS à mostra e eram cobertos por uma capa
feita de tecido com elástico nas bordas que literalmente vestia o
capacete. Em 1986, o belga Michael Vaarten foi o primeiro ciclista a
conquistar o título Mundial de Ciclismo usando um capacete.
Um dos primeiros modelos da Bell feito em EPS
Mas a verdade é quase não se viam cabeças protegidas no pelotão de ciclistas profissionais mundo afora.
A primeira tentativa da UCI de tornar o capacete obrigatório foi em
1991, que resultou numa greve mobilizada pelos ciclistas durante a
Paris-Nice daquele ano e fez a UCI recuar da obrigatoriedade. As coisas
só começaram a mudar em 2003, com a morte do ciclista cazaque Andrei
Kivilev, que morreu no dia 12 de março ironicamente na segunda etapa da
Paris-Nice. Naquele mesmo ano, a UCI fechou o cerco e no dia 5 de maio
decretou a obrigatoriedade do uso e o Giro D’Itália foi a primeira
competição onde os ciclistas tiveram que usar a proteção, embora ainda
fosse permitido pedalar sem o capacete nos últimos cinco quilômetros de
etapas com chegadas em subida. Pouco depois, a lei determinou o uso em
todo o percurso de qualquer competição sob a chancela UCI.
EVOLUÇÃO
Depois que os hairnets foram extintos, o EPS (Poliestireno Expandido)
entrou para valer no mercado e se mostrou a melhor opção em termos de
proteção e leveza. O principal objetivo de um capacete é desacelerar o
crânio (e, por consequência, o cérebro) com mais suavidade possível e o
EPS cumpre esse papel com louvor. Esse material foi descoberto por dois
químicos da empresa alemã Basf em 1949. O produto final é composto de
pérolas de até 3 milímetros de diâmetro que expandem até 50 vezes o seu
tamanho e consistem em 98% de ar e 2% de Estireno. Em 1m³ de EPS existem
de 3 a 6 bilhões de células fechadas e cheias de ar.
Os primeiros capacetes em EPS, conhecidos como “hardshell”, tinham o
casco interno separado da camada externa. Atualmente, os capacetes são
feitos com a tecnologia In Mold. Nesse processo, a parte interna do
casco é injetada em alta temperatura e com alta pressão sob a camada
externa, criando uma estrutura bastante sólida e estável. Mais
recentemente alguns modelos recebem reforços internos de fibra de
carbono.
A última palavra: O modelo Air Attack da Giro
Os sistemas de fecho e as antigas fivelas metálicas deram lugar a
modernos fechos que travam e destravam com um clique. A maioria das
marcas oferece um sistema de fecho na região da nuca que possibilita o
ajuste fino do caimento do capacete à cabeça.
A utilização do túnel de vento auxiliou os estudos em termos de
aerodinâmica e ventilação interna e alguns modelos têm canais moldados
no interior do casco para essa finalidade.
TIPOS
Existem vários capacetes para várias aplicações. O mais comum é
aquele feito de EPS (Poliestireno Expandido), ou seja, um tipo de
“isopor”, só que bem mais resistente, com várias aberturas para
ventilação e que protege basicamente o topo da cabeça, as laterais e um
pouco da nuca. Esse é o mais comum e polivalente, serve para a cidade,
para o lazer, cicloturismo, ciclismo de estrada e mountain bike.
Há capacetes específicos para certas modalidades, é o caso dos
capacetes para provas de contrarrelógio e triathlon, downhill, BMX
olímpico e outras modalidades praticadas com bikes de aro 20, como o
Dirt Jumping, Vert e Flatland.
Em sentido horário: capacete de lazer e MTB, ciclismo, aro 20/dirt jump/vert e downhill/bmx
Os capacetes de contrarrelógio são os mais aerodinâmicos, em forma de
gota d´água e com um perfil bastante alongado na parte posterior e
alguns possuem viseira integrada.
Os de downhill e BMX são do tipo full face, ou seja, são fechados,
como os de motocicleta, com o objetivo de proteger o rosto (boca e
dentes inclusive) do atleta. Já os de BMX radical oferecem mais proteção
lateral, cobrindo a região das orelhas e da nuca.
SALVO PELO BELL
Não me lembro muita coisa daquele dia. Tudo o que sei é por relatos dos
amigos que estavam comigo num domingo de março de 2003. A primeira coisa
que me lembro é que estava num hospital. Eu havia caído numa trilha
numa região remota, a 25km do centro de Campinas e o resgate levou mais
de uma hora para chegar. Quebrei duas costelas, a escápula, as duas
clavículas e, o pior, fraturei o lado esquerdo do crânio em dois
lugares: logo atrás da orelha e na têmpora. O capacete, um Bell modelo
Ukon, rachou nesses dois lugares, mas cumpriu o papel de amortecedor da
pancada. “Se não fosse o capacete, não sei o que teria acontecido com
você. Talvez tivesse morrido no local”, disse-me o neurologista dias
depois. Não fiquei desacordado em nenhum instante, mas tive o que se
chama de concussão cerebral, algo como um “curto circuito” no cérebro e
amnésia pós-traumática, que apagou de minha memória o período logo após o
acidente. |
CUIDADOS
Capacetes não duram para sempre. Embora não exista uma regra clara
que defina o prazo de validade, o capacete deve ser trocado em caso de
danos visíveis no casco ou no seu interior como rachaduras e trincas. Um
equipamento que sofreu impacto ou queda deve ser substituído, pois sua
estrutura pode ter sido afetada e, consequemente, sua capacidade de
absorção reduzida. A presença de bolhas ou ondulações na parte externa é
sinal de que o capacete está danificado e precisa ser substituído. Mas,
é importante ter em mente que nem sempre o dano na estrutura de um
capacete é aparente e, na dúvida, é melhor trocar.
Outro fator que pode prejudicar a eficácia de um capacete é o excesso
de calor. Jamais armazene ou transporte seu capacete num local muito
quente e que sofra ação direta dos raios solares.
Para guardá-lo durante um longo período de inatividade, deixe-o na
sua caixa original ou numa bolsa de transporte num local fresco e seco.
Limpeza – Após o uso, deixe-o secar num local
ventilado e longe da luz direta do sol, estendido num varal, por
exemplo. De tempos em tempos, é bom retirar as espumas e lavá-las com
sabonete ou sabão neutro. O casco deve ser limpo com uma esponja úmida e
sabão neutro. Jamais use derivados de petróleo ou sprays na limpeza de
um capacete. Lembre-se de que são feitos de materiais que podem se
danificar facilmente com muitos produtos de limpeza.
Fonte: Bell Sports
O mercado oferece vários modelos de bandanas e bonés
SOB O CASCO
O mercado oferece alguns produtos para usar sob o capacete que
aumentam o conforto e também protegem o couro cabeludo do sol, do frio,
da poeira e dos insetos, servem também reterem o suor e para fixar
melhor o capacete na cabeça.
Essa proteção pode ser feita com um boné (os clássicos bonezinhos de
ciclismo com aba curta são perfeitos para isso), lenço, bandana, ou
também por acessórios especiais para essa finalidade, como gorrinhos e
toucas próprias para o inverno ou as head bands, que são feitas de
material de alta absorção de água e têm canais para escoamento do suor.
COMO ESCOLHER
Escolha seu capacete primeiramente pela aplicação. Um modelo de
contrarrelógio não vai ser útil para um piloto de downhill e vice-versa.
Assim como sapatos, capacetes têm tamanho certo para cada indivíduo. O
tamanho é definido pela circunferência da cabeça (em centímetros),
medida a aproximadamente dois dedos acima da orelha. Há marcas que
oferecem modelos com sistema de tamanho único, que supostamente se
adaptam para todo mundo. Em todo o caso, o melhor mesmo é ir
pessoalmente numa bike shop e experimentar. Um capacete não pode ficar
nem muito apertado para não causar desconforto e nem muito folgado para
não chacoalhar nas trepidações. Na hora de provar, peça ajuda a um
atendente experiente.
O último critério a definir é a faixa de preço. O mercado oferece
modelos básicos a partir de R$ 69,00 e modelos intermediários podem ser
adquiridos com R$ 120,00. É fundamental que se compre o melhor modelo
que seu dinheiro alcance, já que sua vida pode depender desse
equipamento. Prepare-se para pagar mais caro por modelos mais leves e
com mais aberturas de ventilação, lançamentos e capacetes com grife de
determinada competição, equipe ou atleta.
Observe:
- Leveza é uma virtude. Capacetes leves exigem menos da musculatura do pescoço e fazem muita diferença numa pedalada longa;
- Quanto mais ventilado melhor, lembre-se que o Brasil é um país tropical e quente a maior parte do ano;
- Uma parede lateral na região das têmporas de boa espessura é muito
importante, já que essa região é uma das mais frágeis de nosso crânio;
- Verifique se o fabricante oferece o serviço de “Crash Replacement”,
ou seja, se a marca tem a política de substituição grátis em caso de
acidente (Vide Box);
- Prefira as marcas e modelos que fornecem espumas extras ou que
tenham espumas para vender separadamente, pois elas têm a vida
relativamente curta;
- Verifique como é o sistema de fecho, de ajuste das correias. Modelos
com sistema de aperto rotativo são mais práticos e garantem melhor
caimento;
- Modelos com viseira protegem o rosto do sol e da chuva. Há modelos com viseira destacável;
- Alguns capacetes têm uma útil telinha nas aberturas frontais que protege da entrada de insetos e folhagens;
- Capacete para criança deve ser comprado para a idade atual e não para “servir no futuro”.
SUBSTITUIÇÃO GRÁTIS
Algumas marcas oferecem o serviço de “Crash Replacement”, que é a
substituição grátis nos casos de acidentes. Veja no site do fabricante
se esse serviço é oferecido e como deve ser o procedimento. Normalmente o
contato deverá ser feito com a matriz no exterior e o frete corre por
conta do cliente. |
USO CORRETO
O capacete deve ser ajustado na cabeça de forma que ele fique bem
nivelado e que proteja a testa. Via de regra, o capacete vai ficar um ou
dois dedos acima das sobrancelhas. Jamais use-o como se fosse um boné,
com a parte frontal inclinada para cima e com a testa exposta a
pancadas.
Ajuste as correias de forma que elas se cruzem logo abaixo das
orelhas. Um ajuste muito frouxo vai permitir que o capacete sai da
cabeça numa colisão por exemplo. O ajuste correto vai permitir que um ou
dois dedos sejam inseridos entre a correia e queixo e permitir que o
ciclista abra a boca completamente.
CONSELHOS DO MÉDICO
Por conta da gravidade, quando caímos é quase certo que nossa cabeça
vai se chocar contra o chão e, em alguns casos, nem temos a chance de
usar as mãos como defesa e o impacto contra o solo pode ser muito forte.
“O capacete vai minimizar a pancada, mas em muitos casos poderá haver
danos neurológicos”, ensina o médico neurologista Aurélio Dutra, que é
fã de mountain bike e curte pedalar nos fins de semana em São Paulo com a
esposa e filhinha de dois anos que já tem seu capacete.
É importante saber que as partes mais frágeis de nossa cabeça são as têmporas (lateral frontal), as órbitas oculares e a nuca.
Após uma pancada, o ciclista deve procurar um médico se tiver batido a
cabeça, desmaiou ou perdeu a consciência, nem que tenha sido por poucos
segundos. Isso significa que o trauma foi importante.
A avaliação médica é também necessária se houver sangramento nasal ou
auditivo, pois esses sintomas indicam a possibilidade de fraturas nos
ossos mais frágeis do crânio.
Fique atento também se depois da pancada, além de náusea, vômito e
sonolência, o acidente apresentar qualquer outro sintoma neurológico
como dor de cabeça intensa, formigamento em alguma parte do corpo, perda
de força em alguma parte do corpo, dificuldade para falar etc.
“Há casos de hematomas internos que crescem devagar e rompem uma
artéria. A princípio a pessoa volta ao normal, mas depois de cinco ou
seis horas, vai começar a sentir os sintomas neurológicos (náusea,
sonolência, sangramentos, dor de cabeça intensa etc) e será necessária
uma cirurgia de emergência”, explica o neurologista.
É muito importante ter sempre em mente que o capacete é uma mera
proteção e não substituiu uma pedalada cautelosa. “Em traumas de alta
intensidade, com pancadas muito fortes, especialmente nos impactos
laterais, o capacete não vai salvar. É importante fazer sempre uma
pedalada defensiva”, completa o médico.
Se você caiu numa competição e bateu a cabeça, procure o posto
médico ou uma ambulância tão logo seja possível e exija que a
organização do evento providencie o transporte até o hospital mais
próximo. Sua vida pode depender disso. |