sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Primeiros socorros para ciclistas.

Por Marcos Adami – Publicado com autorização da revista Bike Action
O primeiro acidente de bicicleta de que se tem notícia aconteceu em 1842, quando Kirkpatrick McMillan atropelou com seu velocípede uma garotinha, que assistia a uma corrida, em Glasgow, na Escócia. Verdade ou não, a realidade é que o Brasil tem pouco mais de 600 quilômetros de ciclovias, número muito pequeno para uma frota nacional de 50 milhões de bicicletas.
A chance de pedalar nas grandes cidades, sem ciclovia ou faixa de ciclista, e se envolver num acidente é grande. E nas rodovias o panorama não é diferente. O número de acidentes com ciclistas nos 3.500 quilômetros de rodovias paulistas privatizadas aumentou 93,5% num intervalo de cinco anos. De acordo com levantamento da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), em 2000 ocorreram 309 colisões envolvendo ciclistas, número que subiu para 598 em 2004.
E o problema tende a piorar, já que 7,4% dos deslocamentos feitas nas áreas urbanas brasileiras, perto de rodovias ou não, são feitos por bicicleta.
O fato é que basta sair na rua para estar sujeito aos mais diferentes tipos de acidentes, graves ou não. Desde uma inofensiva e divertida queda até uma mordida de cobra na trilha, ou o pior, um acidente envolvendo um veículo automotor. O mais importante é manter a calma e seguir certos procedimentos que poderão fazer toda a diferença para o acidentado.
ACIDENTES MAIS COMUNS
Um trabalho apresentado pelos norte-americanos Matthew J. Thompson e Frederich P. Rivara, da Escola de Medicina da Universidade de Washington, em Seattle, mostrou que os acidentes com bicicletas são responsáveis por aproximadamente 900 mortes, 23 mil internações hospitalares, 580 mil visitas aos prontos-socorros e a mais de 1,2 milhão de atendimentos médicos por ano nos Estados Unidos, com um custo anual estimado em mais de oito bilhões de dólares. Em 1988 foi estimado que aproximadamente 4,4 milhões de crianças, com idade entre cinco e 17 anos, foram feridas em acidentes envolvendo a participação em esportes ou recreação, sendo que, destes, 10% a 40 % se relacionavam com o ciclismo.
Os motivos para tantos acidentes são muitos. Uma pesquisa no Reino Unido mostrou que entre 60% e 85% dos acidentes que envolvem os chamados “ciclistas sérios”, aqueles que andam equipados com capacete e demais equipamentos de proteção e seguem as leis de trânsito, são causados por negligência de motoristas.
Outro estudo, elaborado pelo Instituto Real de Segurança Rodoviária, da Holanda, apontou que 47% dos ciclistas envolveram-se sozinhos em acidentes, 12% chocaram-se contra obstáculos na pista ou animais e 40% foram vítimas de colisões contra outros veículos, que normalmente acontecem quando o biker está em velocidades superiores a 15 km/hora.
FATORES DE RISCO
Entre as condições de risco que propiciam um acidente, o estudo de Thompson e Rivara destaca: ciclista do sexo masculino; idade entre nove e 14 anos; verão; fim de tarde ou no início da noite; não usar capacete; automóvel envolvido; ambiente inseguro; ciclista portador de distúrbio psiquiátrico; uso de álcool e outras drogas. Para terminar o estudo também aponta o mountain bike como fator de risco. E quem já assistiu a uma prova de downhill, four cross ou cross country sabe que não é exagero. Segundo a pesquisa, os ciclistas off-road têm uma incidência de acidentes 40% menor que os urbanos.
LESÕES MAIS COMUNS
Estudos comprovam que as lesões com ciclistas se localizam primeiramente nas extremidades, seguidas de lesões na cabeça, face, abdômen ou tórax e pescoço. As “raladas” podem ser superficiais ou mais profundas, nesse caso pode ser necessária uma intervenção cirúrgica para prevenir “cicatrizes traumáticas”. As distensões, fraturas e luxações também são comuns. A clavícula é um dos ossos mais vulneráveis para ciclistas. Os braços vêm logo em seguida, juntamente com os dedos dasmãos.
Os traumas cranianos (contusão cerebral, hemorragia intracraniana, fraturas) ocorrem entre 22% e 47% dos ciclistas acidentados, sendo responsáveis por 60% dos óbitos e por um longo tempo de inatividade. O trauma de crânio é a causa principal de morte em acidentes de bicicleta – mais de 60% dos casos. Ciclistas que não usam o capacete têm 14 vezes mais chances de ter um acidente fatal do que aqueles que o usam.
As lesões do pescoço são raras e geralmente decorreram de colisão direta com outro veículo. O trauma abdominal é representado por lesões no baço, fígado, pâncreas, rins, hérnias traumáticas e fraturas pélvicas, entre outras. O trauma perineal é aquele que envolve os órgãos genitais e a uretra.
MELHOR PREVENIR
Em se tratando de acidentes, o melhor mesmo é prevenir. E a prevenção começa antes de sair para pedalar. O primeiro mandamento da segurança é nunca pedalar sozinho. O ideal é pedalar em três, assim, em caso de acidente, um cuidará da vítima e o outro vai buscar socorro. Só fazer pedaladas dentro de nossas capacidades é outra dica esperta, respeitando nossas limitações físicas e habilidades.
Antes de sair para pedalar, seja na cidade, estrada ou trilha, é fundamental que o ciclista informe a família onde vai, com quem e a que horas planeja estar de volta. Outro cuidado importante é o de levantar todos os dados do lugar onde se planeja pedalar.
O biker deve procurar saber:
  • nível técnico do percurso
  • duração aproximada para pedalar determinado trecho
  • hora do pôr-do-sol, para evitar ser pego de surpresa (basta consultar um site de previsão do tempo)
  • onde procurar socorro nas imediações
  • existência de sinal de telefonia celular
Sempre é bom ter em mente os números dos serviços de emergência e socorro. Em todas as cidades brasileiras com mais de 150 mil habitantes, o Governo Federal oferece o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que pode ser acionado pelo telefone 192 e atende a 926 municípios brasileiros.
Nunca é demais lembrar que é fundamental pedalar de capacete, luvas e óculos. O capacete reduz em até 85% as lesões na cabeça e em aproximadamente 65% os traumas no rosto e no nariz, desde que utilizado corretamente. As luvas reduzem substancialmente as lesões superficiais da mão e previnem a compressão de nervos. O uso de óculos protege contra as eventuais pedras lançadas pela bike que vai à frente, vegetação e dos raios solares nocivos.
SEGURANÇA NAS COMPETIÇÕES
Organizadores de provas têm muita responsabilidade na prevenção de acidentes. Tudo começa na hora de traçar o trajeto. “Tomamos o cuidado de eliminar os chamados ‘pontos críticos’ do percurso. Assim eliminamos possibilidades de acidentes logo de cara”, conta o paulista Marcos Silveira, que organiza eventos esportivos desde 1990. “No ano passado todinho tivemos apenas uma clavícula quebrada nas dezenas de provas que organizamos”, orgulha-se Silveira.
Pontos críticos podem ser um drop, uma forte descida, uma curva fechada, uma erosão ou valeta etc. Em alguns casos, como em algumas etapas do Tour de Santa Catarina e Volta a SC em MTB, a organização providencia um fiscal com uma bandeira para sinalizar o perigo. As equipes de socorro deverão permanecer próximo a esses pontos críticos.
No caso das maratonas de mountain bike e voltas ciclísticas, a organização deve sempre se preocupar com os retardatários. “Na Maratona dos Canaviais, por exemplo, dividimos o percurso de 100 km em lotes. Nosso serviço de emergência médica é composto por sete ambulâncias simples e mais duas UTIs, que ficam em pontos estratégicos da prova. Temos dois socorristas e duas ‘voadeiras’, que são picapes 4×4 para deslocamento rápido”, explica Silveira.
A comunicação entre atletas, organização e socorristas é fundamental numa emergência. Em provas de cross country, rádios cumprem bem esse papel; já em maratonas e voltas, o celular é a melhor opção. “Fazemos uma listagem com telefones de nossas equipes de socorro e distribuímos para todos atletas.”
Outra importante medida a ser tomada nas competições de mountain bike é a dispersão dos corredores nos primeiros quilômetros após a largada, quando os reflexos do competidor ainda estão lentos. Uma forte subida servirá para espalhar o pelotão e evitar acidentes.
IMPORTANTE: ao sofrer um acidente ou passar mal numa prova, um competidor deverá permanecer no circuito, pois certamente será encontrado por algum fiscal de percurso.
SOCORRO OBRIGATÓRIO
De acordo com o artigo 135 do Código Penal Brasileiro, todos somos obrigados a prestar socorro para vítimas de acidentes ou males súbitos, sob pena de processo por omissão de socorro. A pena pode chegar a um ano de detenção e será aumentada se a omissão resultar em lesão corporal e pode até triplicar, em caso de morte.
Só escapam dessa Lei menores de 16 anos, gestantes a partir do terceiro mês e maiores de 65. Socorrer, muitas vezes, implica em somente proteger o local do acidente e chamar ajuda especializada como veremos adiante.
Bikers podem tirar proveito dessa lei. Por exemplo: podemos acionar os serviços de emergência de uma rodovia, mesmo que o acidente tenha acontecido fora dos domínios da estrada.
GOLDEN HOUR
“A principal causa-morte pré-hospitalar é a falta de atendimento. A segunda é o socorro inadequado”, dizem os especialistas. Os primeiros-socorros são as primeiras providências que tomamos no local do acidente, até a chegada de uma equipe profissional. Mais que rapidez, é necessário socorrer a vítima de maneira adequada para evitar males piores.
O ideal é que o acidentado esteja em um centro cirúrgico em no máximo 60 minutos após o acidente. É o que se chama de “golden hour”, ou hora de ouro.
O BÁSICO
O objetivo dessa reportagem é ensinar as noções básicas do que fazer nas emergências e que não precisam de treinamento.
1- Mantenha a calma. Pare e pense, não faça nada por instinto. Conforte a vítima, mas não mexa nela. Tenha sempre em mente: toda vítima de acidente possui lesão cervical, até se provar o contrário
2- Garanta a segurança do local para evitar outros acidentes
3- Procure socorro. Pare algum veículo, use o celular, encontre um orelhão
4- Controle a situação. Distribua tarefas para outras pessoas: um procura ajuda, outro conforta a vítima, outro sinaliza etc.
5- Observe as reações do acidentado. Se ele se levantar sozinho é um bom sinal
Em regiões remotas, comuns nas longas pedaladas de mountain bike, é importante saber as etapas básicas do socorrismo. Os procedimentos de emergência pré-hospitalar obedecem ao protocolo internacional da OMS, a Organização Mundial de Saúde.
ETAPAS BÁSICAS DO SOCORRO
1- Verificar se a vítima está consciente ou não;
2- Sinalizar o local do acidente;
3- Converse com a vítima. Pergunte onde dói, nome, onde mora, idade, telefone etc. O estado de uma vítima é inversamente proporcional ao número de informações obtidas pelo socorrista;
4- Checar os sinais vitais como respiração (use o dorso da mão para sentir) e o pulso (dá para sentir no pescoço, na carótida);
5- Observar as reações da vítima e procurar mantê-la abrigada do sol e do frio.
IMPORTANTE
Um acidentado somente deverá ser removido:
1- Quando não houver mais nada a fazer no local;
2- Quando a remoção for essencial para vida da vítima;
3- Quando o local oferecer risco iminente para a vítima ou socorrista. Exemplo: a vítima está sob uma árvore que está prestes a cair.

ATÉ CHEGAR O SOCORRO

HEMORRAGIAS
Para estancar uma hemorragia, o método mais eficaz é fazer compressão direta sobre a área, pode ser com a própria roupa. Outro método é elevar o membro e usar a gravidade a favor. Se não funcionar, o jeito é improvisar um garrote ou torniquete com um pedaço de tecido ou fita de borracha, tomando-se o cuidado para liberar o fluxo sanguíneo por um minuto a cada 15 minutos. Em cortes pequenos com sangramento, dá para improvisar pontos falsos com esparadrapo.
CABEÇA
O trauma de crânio é responsável por 60% das mortes dos ciclistas que se envolvem em acidentes e o ponto mais vulnerável do crânio é a região conhecida como têmpora, na lateral da cabeça, entre a orelha e os olhos. Pancadas fortes na cabeça resultantes de quedas podem deixar a vítima inconsciente por alguns minutos ou até mesmo várias horas e dias. Um biker deverá procurar o médico se após um acidente apresentar: perda da consciência, confusão mental ou perda de memória, dor de cabeça, visão embaralhada, perda de audição e vômitos. Não dê chance para o azar. Se bater a cabeça, procure um hospital o quanto antes.
FRATURAS
Clavículas, braços e os dedos das mãos são as fraturas mais comuns entre ciclistas. ATENÇÃO: Jamais tente alinhar um membro fraturado. Os membros devem ser imobilizados obedecendo aos desvios causados pela fratura. Improvise uma tala com pedaços de madeira envoltos em tecido. A vitima deve evitar movimentos.
DESMAIOS
Desmaio é uma breve perda de consciência e uma forma de defesa do corpo. Para se proteger de um trauma, o corpo pode desmaiar na tentativa de economizar energia para enviar sangue para as partes vitais: cérebro, coração e rins. A pessoa que desmaia pode ficar neste estado por alguns segundos até uma hora. Os motivos podem ser muitos, entre eles a queda de açúcar no sangue (hipoglicemia), insolação, cansaço e dores extremas, estresse emocional, intoxicação ou qualquer situação onde ocorra uma perda rápida de sangue.
A vítima deve ser deitada com cabeça mais baixa do que o coração e os membros inferiores devem ser elevados em mais ou menos 30 cm. Gire a cabeça da vítima para o lado para que sua língua não interrompa a passagem do ar na garganta; afrouxe as roupas, umedeça a face e o pescoço da vítima com uma toalha. IMPORTANTE: Jamais dê líquidos para alguém inconsciente.
DENTES
Quedas e colisões frontais podem resultar em dentes quebrados ou arrancados. A vida do dente vai depender do rápido reimplante. Se o tecido que envolve a raiz secar antes do dente ser implantado, a cirurgia não terá sucesso. Se o dente afetado ficou no local, não toque nele e nem na raiz e procure um cirurgião-dentista imediatamente. Se o dente caiu totalmente, limpe-o e coloque-o novamente no lugar original, sem mexer na raiz. Se o dente amoleceu com a pancada, mantenha-o no local com a língua, com cuidado para não engoli-lo. Jamais retire o dente para levá-lo no bolso.
OLHOS
Ferimentos nos olhos são comuns, normalmente por pedras lançadas pelo biker à nossa frente, ou pela vegetação e insetos. Não há muito o que se fazer no meio do mato, a não ser lavar os olhos com água limpa. Procure um médico imediatamente se sentir dor profunda, perda de nitidez da visão e/ou visão dupla ou sangramento.
Mudanças no formato e no tamanho da pupila, coloração rosa na secreção lacrimal ou ver um objeto preto flutuando também indicam problemas mais sérios.
MORDIDAS DE COBRAS
Uma regra do atendimento pré-hospitalar diz que não existe nenhuma cobra venenosa conhecida que possa matar um adulto sadio em menos de quatro horas. Casos isolados são atribuídos a choques anafiláticos. (Essa regra não se aplica a idosos e crianças). Portanto, na maioria dos casos, haverá tempo para os cuidados em um hospital.
Sendo assim, no socorro moderno não se deve fazer nada diretamente na vítima. O ideal é pelo menos tentar identificar a cobra – animal, cor, tamanho, formato de cabeça e cauda – para que seja aplicado o soro específico. A vítima deve manter-se calma e inativa, evitando o estresse e consequentemente o aumento da freqüência cardíaca, que irá acelerar a dispersão do veneno. Não se utiliza o torniquete, pois pode acelerar o processo de perda do membro ou causar morte.

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