Oásis no Cariri
São quase 50 km de trilhas sinalizadas na Floresta do Araripe, na região do Cariri, em pleno sertão cearense
Texto e fotos: Marcos Adami
Há muito tempo que ouvia falar que no alto da Chapada do Araripe, no interiorzão do Nordeste, havia uma linda trilha de quase 50 km no meio da floresta. Todinha na sombra, sinalizada, mapeada e planinha como mesa de sinuca. Parecia até lenda indígena.
Em 2006 aproveitei minha ida a Fortaleza para cobrir a prova de endurance “Desafio 24 Horas de Ciclismo” e aceitei o convide de amigos ciclistas para conhecer de perto aquele que talvez seja a mais longa trilha de em single track do Brasil. O termo em inglês se refere aos caminhos estreitos, ou trilhos, onde só cabe uma pessoa, um ciclista no meu caso.
A Floresta Nacional (FLONA) do Araripe fica no topo da Chapada do Araripe e foi a primeira a ser criada no Brasil. Desde 1946 a floresta é considerada área de domínio público e abrange os municípios de Santana do Cariri, Crato, Barbalha e Jardim, no extremo sul do Ceará, junto à divisa do Pernambuco.
A Chapada do Araripe é bem maior que a floresta. São 44 km de largura por 180 km de comprimento. Seus domínios começam em Simão (PI) e se estende até a cidade cearense de Porteiras (CE), perto da divisa da Paraíba.
Com uma altitude na faixa dos 920 metros sobre o nível do mar (passa dos mil metros em alguns pontos), a temperatura lá no alto é amena e à noite chega baixa dos 20ºC, bem diferente da imagem que temos do castigado sertão cearense.
Como nas outras chapadas Brasil afora, a do Araripe é rica em água em suas escarpas, com mais de 300 fontes e algumas cachoeiras que valem a pena uma visita, como a Bica do Sozinho, a Cachoeira Areia Branca e a Cascata das Flores. As nascentes formam o Rio Granjeiro e o Rio das Pedras, que correm em direção do Rio Jaguaribe, atravessam a aridez do sertão e deságuam no oceano, a 633 km dali.
CRATO, O PORTAL DE ENTRADA
A melhor opção para visitar a floresta nacional do Araripe e suas trilhas é começar pela cidade do Crato, cidade com cerca de 150 mil habitantes, a 562 km de Fortaleza. A cidade é conhecida como a “Capital do Cariri”, região que abrange 30 cidades e que foi habitada pelos índios Cariri. A flor do piquizeiro (foto), árvore abundante naquelas bandas, é o símbolo da cidade.
O filho mais ilustre do Crato é o Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço, que ostenta uma estátua de 27 metros de altura no alto de um morro na vizinha Juazeiro do Norte.
A portaria principal fica junto à Casa-Sede do Ibama, a 13 km do centro, na rodovia conhecida como Asa Branca, que liga Crato a Exu, no Pernambuco, terra do sanfoneiro Luis Gonzaga.
Quem quiser ir pedalando tem que ser bom de subida, afinal o desnível é de quase 500 metros. Dá para ir pelo asfalto (13 km) ou enfrentar os 16 km da pelas subidas do Limoeiro e depois a das Guaribas. Bikers bons de pernas gastarão pelo menos 1h30 até a portaria.
A subida pela estradinha das Guaribas é dura, com piso calçado de pedras, mas vale a pena. No caminho passa-se por velhos casarões, casas de farinha e antigas moendas de cana. Um tijolo de rapadura, da boa, custa R$ 1 real.
TRILHAS E MIRANTES
As trilhas – são quatro sinalizadas – começam no Ibama e vão se interligando uma nas outras. Diz a lenda que foram abertas por caçadores do passado e foram mapeadas pela ONG Ecobiker’s.
São trilhas totalmente planas, com sombra, limpas e que não apresentam nenhuma dificuldade. Podem ser percorridas tranquilamente até por bikers e caminhantes da melhor idade. Ciclistas iniciantes no mountain bike vão se divertir com a facilidade do terreno plano.
Todo segundo sábado do mês de dezembro, o lugar recebe uma corrida de mountain bike noturna com seis horas de duração, organizada pela Ecobiker’s. Em julho próximo, a Ecobiker’s vai realizar a primeira edição de uma corrida com 12 horas de duração.
Todas as trilhas têm mirantes sinalizados, entre eles o Mirante da Coruja, Mirante do Preá, Serrano, Mirante do Granjeiro, Pico, Macaúba, Caldas e o Mirante do Picoto, onde há uma cruz de madeira.
Placas indicam trilhas que descem a encosta, como é o caso da Ladeira do Caixão. Algumas são pedaláveis, outras só são vencidas com a bike nas costas mesmo.
Do Mirante do Picoto têm uma das mais belas vistas da região e dá para avistar cinco cidades e a imponente estátua do Padim Ciço, em Juazeiro. Toda a região lá em baixo já foi mar, conforme comprovam os fósseis do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, a 60 km.
Alziane Diógenes, a cratense tricampeã cearense de mountain bike que ganhou projeção nacional com três vitórias na prova paulista “MTB 12 Horas”, no “Piocerá” e no “Bike Race Across” é freqüentadora assídua das trilhas da Flores do Araripe.
Todos os anos, Alziane faz treinos simulados em circuitos que ela mesma monta nas trilhas da FLONA.
A floresta recebe poucos visitantes, a maioria moradores locais nos finais de semana e de excursões de escolares. É comum avistar animais silvestres como cutias, raposas, tamanduás, veados, pássaros diversos e até onças.
“Uma vez topei com uma onça durante um treinamento sozinha. Ela estava deitada numa sombra logo depois de uma curva. Ela se assustou comigo e fugiu para o mato”, lembra a atleta.
A primeira trilha é a Trilha do Belmonte, com 7,8 km. A Trilha do Picoto é a próxima, com 12 km, e que tem como atrativo o Mirante do Picoto, que tem uma das melhores vistas da Chapada. A Trilha do Caldas tem 15 km de extensão e, desde o portal até o Mirante do Caldas, são 34,3 km de puro single track. E a última, a Trilha das Flores, que desce em direção à Cachoeira das Flores, se estende por mais de 10 km.
É inacreditável o quanto que se percorre em trilhas single track, algo inacreditável para um paulista. De quando em quando, há uma pequena “praça”, com bancos e tudo, no meio de uma clareira. Num determinado trecho, a trilha faz tantos ziguezagues que chega a dar vertigem.
Algumas árvores são identificadas com o nome numa plaqueta de madeira. A floresta é rica em plantas medicinais, como a Janaguba, que dizem conter substâncias que combatem tumores.
Para conhecer as trilhas não é necessário pagar, basta informar a portaria, mas é recomendável contratar um guia, pois há centenas de quilômetros de trilhas sem sinalização.
De bike, todo o percurso pode ser pedalado em quatro ou cinco horas.
Ernesto Rocha, um dos fundadores da ONG Ecobiker’s freqüenta as trilhas da floresta há 15 anos e acompanha grupos agendados de bike ou a pé.
Os passeios podem ser feitos também à noite.
O QUE LEVAR:
- É importante levar bastante água, pois não há água no alto da Chapada
- Protetor solar
- Comida de trilha: barras de cereais, frutas, carboidratos em gel, suco, sanduíches
O QUE VISITAR
- No Crato e em Juazeiro do Norte – Lojas de artesanato com artigos de barro – panela, potes e bonecos – e de madeira entalhada.
- Em Barbalha – Balneário Caldas
- Em Santana do Cariri (60 km do Crato) – Museu de Paleontologia
COMO CHEGAR
- DE CARRO – São 562 km de Fortaleza ao Crato. As rodovias do interior cearense estão em boas condições.
- DE ÔNIBUS – A empresa Guanabara têm vários horários diários e a viagem leva 8 horas. O preço varia de R$ 55 (executivo) a R$ 75 (leito). Os ônibus saem às 7 h, 12 h, 13 h, 19 h, 20 h, 21 e 22 h.
- AVIÃO – De Fortaleza a Juazeiro do Norte são menos de uma hora de vôo e os preços valem a pena em relação aos ônibus. Juazeiro recebe vôos da Gol, Azul, Avianca, Passaredo. São 47 minutos de vôos saindo de Fortaleza.
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